O lado literário de uma tradutora
No topo das obras mais lidas ultimamente está o famoso 1984 do britânico nascido na Índia, George Orwell. De difícil classificação dentro do gênero fantástico, 1984 pende entre a ficção científica (o Big Brother, ou o olho que tudo vê, talvez já circulasse no inconsciente coletivo em 1949 quando o livro foi publicado) e uma premonição, uma previsibilidade, uma projeção fictícia. A ficção é a antessala de uma possibilidade, ainda que inverossímil, um ensaio, um experimento que vai se tornando realidade (dentro da obra e/ou de fato). Sua construção é metafórica – a narrativa primeiro concretiza para depois abstrair, ou melhor, primeiro concretiza para poder abstrair, utilizando-se da verossimilhança para fazer valer uma realidade outra, ainda que abstrata. Por exemplo, não raro o protagonista da narrativa fantástica é ateu, uma pessoa comum que não espera confrontar algo sobrenatural como em Stigmata, ou seja, para convencer, a narrativa centraliza sua trama numa personagem que não acredita em nada sobrenatural, o que afasta a possibilidade de um crente enxergar o insólito, que pode ser interpretado como um mero devaneio, fruto de sua imaginação fértil. Todos entendem a metáfora que existe em “você é o sol da minha vida”, pois o sol nos remete ao reconfortante calor, à luz, à alegria de dias bonitos. Todos entendemos que a pessoa em questão representa, em suma, uma felicidade para a outra, sendo ela o seu sol. Assim também funciona a literatura fantástica: pedagogicamente, a narrativa concretiza uma ideia para que se possa trabalhá-la no nível abstrato, levando essa ideia a um diferente patamar de discussão, que paira acima das aparências mundanas, embora estas sejam um meio para alcançar o seu fim: a de se projetar uma realidade possível, ficticiamente, mas com segundas intenções. O Grande Irmão, ou o Big Brother, uma premissa da obra de Orwell, estaria se tornando uma realidade em menos de um século de sua criação? Fiction becomes fact?