Carl Gustav Jung (1875-1961), psiquiatra e psicoterapeuta suiço que fundou a psicologia analítica, propôs e desenvolveu os conceitos da personalidade extrovertida e introvertida, arquétipos, e o inconsciente coletivo, influenciando, entre outras áreas, os estudos da religião. Desenvolveu o conceito de numinoso, uma experiência não sensorial, não plenamente consciente, de não eu, sobrenatural e não racional, fugindo da psicanálise enquanto estudo da psique humana baseada nos seus cinco sentidos. Mas o conceito fora derivado no século XVII, etimologicamente originado da palavra latina numen, ou seja, “do espírito”, ou “o espiritual”, aquela experiência grandiosa e impressionante do ser humano perante o transcendental. Algo maior do que a própria vida, o numinoso insere sentimentos e percepções que transcendem o mundano, algo maior do que nós, inspirando fascínio e temor. Porém, antes de Jung, Rudolf Otto (1869-1937), eminente teólogo protestante alemão e erudito em religiões comparadas, aprofundou-se no conceito de numinoso, que resultou na obra Das Heilige (1917) (em português O Sagrado, e em inglês publicado sob o título The Idea of the Holy em 1923), encerrando um dos mais importantes tratados teológicos em língua alemã do século XX.
O complexo conceito de numinoso, portanto, mereceu detalhado olhar de Otto, que percebeu uma autonomia do espírito humano, que escapa às explicações da ciência naturalista/científica do século XX, e, porque não dizer, às ideias iluministas, que defendem o uso da razão sobre o da fé.
Otto chegou à conclusão de que o sentimento de numinoso é irredutível a qualquer outro, não pode ser ensinado, somente evocado, desperto, como tudo aquilo que vem “do espírito”, ou seja, um momento de profunda experiência religiosa, um estado de alma que se posta em solene adoração. Para precisar o sentimento de numinoso, Otto formulou a equação latina mysterium tremendum fascinans et augustum, que desenvolverei por partes em publicações vindouras.
Por ora, ao evocar este sentimento tão sublime que somente os seres humanos podem acessar, seria interessante começarmos a avaliar o que está ocorrendo em nossos dias de um aparente apogeu da ciência em detrimento a um sentimento que é inerente à humanidade, que sempre existiu desde os tempos primevos.
A propósito, Jung, em suas pesquisas, cita o clássico exemplo da experiência do numinoso que ele testemunhou junto a um povo primitivo do Monte Elgon, na África. Relata que, todas as manhãs, durante a alvorada, eles deixam suas moradias, e respiram ou cospem em suas mãos, que então são estendidas em direção aos primeiros raios de sol, como se estivessem oferecendo seu fôlego ou sua saliva ao deus nascente – o
mungu, designando “poder” de extraordinária eficiência e extensão, ou seja, o divino. Jung menciona que quando ele lhes perguntou qual seria o significado daquele ato, eles ficaram totalmente atônitos, e só responderam: “Nós sempre fizemos isso. Isso sempre foi feito quando o sol nasce”, rindo da conclusão que o sol é mungu. Onde estará o nosso mungu, numinoso, hoje?